segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Não chame de "calça harém", "bracelete escrava" e "meninas que dançam"- Por Carolena Nericcio

 Pintura Orientalista retratando um harém 

Esse texto foi publicado no Tribal Talk - The Voice of FatChance BellyDance e foi escrito em novembro de 2001. Acho ele simplesmente fantástico, as observações que ela faz são muito felizes e ele  mudou minha maneira de ver as coisas desde que o li há alguns anos atrás. Por isso resolvi traduzir para compartilhar, espero que tenha o mesmo significado para vocês!

"Quantas vezes já lhe perguntaram: 'É verdade que a dança do ventre nasceu como uma maneira das meninas do harém chamarem a atenção do sultão?' Se a sua resposta foi 'nunca', sinta-se abençoada, pois eu sinto como se me perguntassem isso o tempo todo.
Agora, eu lhes pergunto: se nós ocidentais, como sociedade, somos tão inclinados a eliminar linguajares preconceituosos, certificando-nos de que nosso discurso seja politicamente correto e garanta direitos iguais para todos, porque desfazemos todo esse 'bem' ao nos referirmos às dançarinas do ventre como 'meninas que dançam' e usam 'calça harém' e 'bracelete escrava'? Porque achamos que ser a 'favorita do sultão' é uma coisa boa?
Porque temos uma visão tendenciosa da história e dos direitos das mulheres (ou seja, dos direitos humanos). As referências a 'escrava' e 'menina' são bem fáceis de entender. Se você vai usar o conceito de 'bracelete escrava' para vender uma bijuteria, você pode usar também o apelido extinto - e igualmente ofensivo - quando referir-se a castanhas-do-pará*. E o termo transparente 'meninas que dançam' é obviamente uma maneira de enfraquecer a mulher delegando-lhe o papel de criança indefesa. A fantasia do harém é mais difícil de ilustrar, mas tentarei.
Tenho certeza de que nem todos compartilham minha opinião, mas talvez eu consiga explicar meu ponto de vista. Quando eu comecei a dançar e depois a ensinar dança, eu queria aprender absolutamente tudo sobre a dança do ventre. O que eu descobri (20-25 anos atrás) foi uma porção de livros sobre as mulheres do Oriente Médio e Norte da África, mas nada relevante sobre a dança do ventre. Então, eu me contentei em ler as entrelinhas e coletar informações. Parte daquelas informações se tornaram o estilo eclético que virou o Tribal Americano e a outra parte alimentou minha paixão pelo feminismo e pelos direitos das mulheres. Daquela cultura peguei os belos trajes, músicas, uso de cores e formas e apliquei-os na dança. Descartei os conceitos de falta de liberdade, casamento forçado, status inferior das crianças de sexo feminino e mutilação genital.
Eu li muitos livros que diziam coisas que eu não queria ouvir. Portanto, quando eu escuto a palavra 'harém' ser usada indiscriminadamente para descrever um estilo de calça que é solto e fluído, me irrita profundamente. Os haréns eram prisões das quais as mulheres não escapavam. Os haréns eram a única maneira de sobreviver em um mundo em que as mulheres 'respeitáveis' não podiam trabalhar para se sustentarem. Os haréns eram uma maneira do homem mostrar que ele tinha dinheiro suficiente para sustentar muitas esposas e igual número de filhos. Havia os haréns do palácio de Topkapi na Turquia onde um sultão mantinha centenas de esposas, mas a família estendida padrão também era um harém. E embora as liberdades e costumes mudem de um país para o outro, a idéia central é a mesma: mulheres são fracas e estúpidas e precisam dos homens para cuidar delas. As mulheres são cidadãs de segunda classe cuja principal função é ter filhos. Filhas são um fardo, por isso terminam em haréns. Famílias pobres com muitas filhas freqüentemente as vendiam ou davam para os haréns para que tivessem uma chance de sobreviver. Os eunucos que guardavam os haréns dos sultões muitas vezes eram homens pobres que se emasculavam para que pudessem sobreviver. 
As pinturas orientalistas que retratam haréns cheios de belas mulheres repousando em almofadas foram pintadas por homens que nunca viram o interior de um harém. Por mais belas que sejam, essas pinturas apresentam um ponto de vista distorcido. No mínimo, elas não retratam o tédio e a incapacidade de sair por livre-arbítrio. Pelo lado pior, o que elas não retratam é o tédio que leva à loucura e à pena de morte por tentar fugir. 
Apesar de muitas vezes serem bem instruídas, as mulheres do harém não podiam usar sua educação a seu favor ou tomar qualquer decisão sobre suas vidas. Ser 'a favorita do sultão' não significava ser apreciada por ser a melhor dançarina ou pelo rosto mais bonito. A 'favorita' era uma mulher que tinha percebido o fato irônico de que se usasse sua educação e beleza para tornar-se companhia constante do rei, ela teria uma boa chance de sobreviver se conseguisse dar à luz um filho. Significava que ela teria uma grande chance de sobreviver se seu filho conseguisse tornar-se o próximo sultão, pois a mãe do sultão era uma espécie de conselheira política. Mas essa sobrevivência seria curta, já que a corte inteira seria morta ou exilada quando o próximo sultão tomasse posse. 
Os haréns não eram lugares românticos cheios de dança e calças diáfanas. Como Fatema Mernissi reitera em seus livros, um harém é uma prisão. Não associemos isso à forma de arte que estamos apresentando."


*Nos EUA, recebem o nome de "Brazil nuts" e antigamente eram chamadas pelo apelido preconceituoso "dedos de negro".


Texto por Carolena Nericcio.  
Traduzido com autorização por Mariana Quadros.  

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

De uma vez por todas...

Vamos parar de postar comentários ou tópicos maldosos sob a alcunha de liberdade de expressão ou direito a opinião própria, ou o que é pior ainda, sob o pretexto de crítica construtiva? Direito a opinião todo mundo tem, mas expressá-la publicamente quando ela não foi solicitada, e quando ela é negativa, só faz queimar o trabalho alheio gratuitamente, além de "queimar o filme" de quem fala muito mais do que o de quem recebe a crítica. Vamos começar a escrever e publicar só o que realmente vale a pena? Vamos? :)

obs: segunda feira postagem nova super especial! :)

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Autodidatismo, profissionalização e afins


Trago hoje um assunto que me intriga bastante no estilo tribal. Porque cargas d'água algumas pessoas parecem achar que podem tornar-se profissionais de tribal sem sequer ter feito aulas no estilo? Ok, tem gente que acha que tribal é só dança do ventre metida a besta. Portanto, se a pessoa em questão fez aulas de dança do ventre, acredita que pode sair dançando tribal e dando aulas, afinal, é só estilizar um pouquinho né? Porque então tantas pessoas juntam seus trocados para fazer workshops com as tribais que vêm de fora, ou mais ainda, indo para fora para fazer aula, ou mesmo fazendo aula com as profissionais realmente  especializadas daqui do Brasil? Mera perda de tempo né?

O que acaba acontecendo é o que todos já viram: perda na qualidade e moral do tribal pelo Brasil afora. Juro que escapa ao meu poder de compreensão como pessoas que não fizeram sequer uma aula ou um workshop de tribal podem ser "profissionais" no estilo. No tribal, mais do que em outras danças, parece existir também um número enorme de autodidatas coisa que para mim, sinceramente, é história da carochinha. Aprendeu com dvd e nunca teve ninguém para te corrigir? Primeiro, você não é autodidata porque tinha alguma profissional te ensinando, ainda que por dvd. Segundo, as chances da sua execução técnica ser incorreta e cheia de vícios são grandes, sem ninguém para apontar o que você está fazendo de certo ou de errado. Os dvds são uma ferramenta de estudo realmente excelente quando bem utilizados. O ideal é sempre ter alguém capacitado para dar uma força e verificar se a sua execução está correta, especialmente quando se está em início de aprendizado. De qualquer forma, os dvds devem ser sempre uma complementação ao seu estudo e nunca sua fonte principal. 

O tribal possui técnicas específicas - como qualquer outra dança - que constituem a base do estilo. Uma vez que essas técnicas passam a fazer parte da sua memória muscular, você pode inventar sua própria interpretação para ele. Uma boa profissional deve ser capaz de te dar essa base para que depois você saia "inventando" à sua maneira. Percebo que cada vez mais existem bons profissionais surgindo no Brasil. Mas, como não poderia deixar de ser, os maus profissionais continuarão existindo. Por isso, cabe a nós, profissionais, admiradores e estudantes, manter os olhos abertos e não dar moral para quem não é sério. E lembrar que para se profissionalizar em qualquer dança é SEMPRE necessário ter currículo ou formação específica ;)

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Não se perca no caminho!


Queria falar de um "fenômeno" no tribal fusion que aconteceu comigo e que, quando parei para observar, percebi acontecendo com muitas pessoas. O nosso estilo é super livre, certo? Podemos usar a roupa que quisermos, a inspiração que quisermos, a música que quisermos, certo? (salvo pequenas restrições - que parecem se tornar cada vez menores). Então, justamente, acho que tanta liberdade de escolha às vezes pode atrapalhar. Deixe-me explicar: quando eu comecei a dançar, há 6 anos atrás, o tribal fusion era uma coisa. Hoje, apenas alguns anos depois, ele é totalmente diferente! Quer dizer, quando comecei a me acostumar ao estilo, ele já tinha mudado completamente. Como é uma modalidade que está em constante evolução, às vezes ficamos meio para trás com tantas mudanças. Por muitas vezes me senti assoberbada com a quantidade de interpretações possíveis para um mesmo estilo, e perdi o rumo. Esqueci o que eu queria para mim da dança, esqueci para onde eu estava indo. Na "minha época" o moderno, a "última tendência" era usar música eletrônica, misturar sintético com natural, plástico com prata tribal. Hoje, o hot do momento é comprar peças vintage e dançar música árabe. Vai vendo... Precisa ter muito bem definido para si o que VOCÊ quer de tudo isso, o que realmente fala mais alto com você, para que não acabe se "perdendo" de certa forma. Sei que isso tudo pode parecer muito severo e calculista da minha parte, mas veja lá, para mim a dança é uma busca eterna. Estou sempre atrás de um objetivo, buscando atingir alguma coisa em termos estilísticos e técnicos. Por isso, para mim se torna complicado quando a referência vive mudando a todo momento. E foi exatamente isso que eu acabei notando em alguns casos. São tantas as possibilidades que a pessoa se perde e não faz nada de concreto. Um dia está brincando com temas balkan, noutro dia querendo ser vintage, noutro gótica... E não se pode fazer tudo isso e divertir-se pencas? Opa, sem dúvida alguma! Se for isso que fala no seu coração, experimente e divirta-se! Mas, quando se trata somente de fazer por fazer, de dançar por dançar, então eu não concordo muito não. Nesse caso, acho que realmente devemos olhar pro começo e entender o que foi que nos atraiu, onde queríamos chegar com aquilo. Para mim, o momento em que consegui fazer essa retrospectiva representou um grande insight. Como se, de repente, tudo se esclarecesse e eu lembrasse novamente o porque eu comecei. Talvez eu não tenha conseguido ser muito clara, mas espero ter dado ao menos uma idéia do que eu quis dizer com esse post!

Acho que o que eu realmente quis dizer enrolando em todas essas linhas foi: não tente seguir a moda do tribal fusion. Não pule a cada nova tendência como  se você precisasse daquilo para ainda se enquadrar no estilo, isso não é verdade, e qualquer um que te diga o contrário está redondamente enganado. Siga seu próprio tempo, seu próprio feeling. Permita-se esperar o tempo passar e assimilar somente o que realmente tem a ver com você em meio a cada turbilhão de novas tendências. E lembre-se sempre do que te fez começar.

Obrigada muito muito por acompanharem o blog e pela paciência!

Abraços!

Mariana

Desenho por Aline Oliveira