quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Considerações sobre yoga e afins


Muitas vezes as coisas têm seus sentidos, ou essências, totalmente alterados por aquilo ser conveniente para um indivíduo, ou um determinado grupo de pessoas. Mas não é porque é conveniente para alguém, que deva ser feito.

Citando um exemplo que para mim é muito próximo, e também recorrente.
A yoga é uma prática milenar, subdividida em alguns estilos tradicionais, elaborados por pessoas que estudaram a fundo e fizeram  certas adaptações para sim, tornar a prática mais conveniente ou acessível para um determinado grupo de praticantes.
O Iyengar, por exemplo, torna a prática muito acessível para o mais variado público fazendo amplo uso de acessórios, chamados "props" para facilitar o alinhamento nas posturas e também o acesso a elas. O Ashtanga é composto por séries fixas de posturas, tornando a prática mais fluída e mais "movimentada". Esses, dentre outros, são alguns dos estilos tradicionalmente aceitos e respeitados pela comunidade da yoga de uma forma geral.
O que vêm acontecendo cada vez mais ao longo dos anos, e mais ainda com as redes sociais tendo tamanho peso, é a valorização apenas do aspecto físico e o estereótipo do yoga, e a propagação da imagem de pessoas saradas em asanas (posturas) impossíveis para a grande maioria do público, como a verdade da yoga. Na foto uma pessoa sarada sentada em postura de meditação diz: meu momento de paz. Mas se ela estivesse de fato tendo um momento de paz, verdadeiramente fazendo yoga, de corpo, mente e alma, estaria posando pra foto? Deixo esse questionamento para um outro momento.
De qualquer forma, com a propagação das novidades, o sentido  da yoga por vezes se afasta tanto de sua verdadeira essência, que surgem bizarrices como a que vi outro dia, chamada de "beer yoga". Uma modalidade em que se pratica yoga enquanto bebe cerveja, e usa a garrafa como "prop" para equilibrar na cabeça em posturas de equilíbrio, por exemplo. Eu não posso imaginar uma "modalidade" mais na contramão da yoga, deixando de fora tantos dos princípios da prática, como abstração dos sentidos, controle sobre o corpo e a mente (como controlar um corpo que está sob o efeito de substâncias?), só pra começar.
Não é porque é conveniente pra mim, que sou dançarina, uma abordagem de yoga muito mais voltada para o vigor e condicionamento físico, que eu devo levar adiante nas minhas aulas essa abordagem como se fosse a única e, pior ainda, a correta. Não é porque é conveniente pra mim que é o "certo". Pode ser bom pra mim, o que não impede que eu faça uso na minha prática pessoal, mas é coerente com a tradição milenar que me precede?
O que isso gera, além da propagação de uma imagem errônea a respeito da "coisa" em questão? Por exemplo, afirmações como já ouvi de alunas, de que não são flexíveis o suficiente para fazer yoga. É a mesma coisa que dizer que está sujo demais para tomar um banho! Daqui a 50 anos, ainda vai ter gente sendo agraciada com os reais benefícios da prática da yoga? Se todo mundo quiser inventar a próxima moda, fazer uso da prática de qualquer forma que lhe for conveniente, propagar isso, o que restará pra quem quiser praticar daqui uns anos? Não é porque é conveniente para um, que deve ser levado adiante como representante de um todo.


segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Algumas divagações tribais e afins...

Engraçado como as coisas se misturam... preguiça, desculpas e falta de informação rapidamente se tornam motivo para criar "regras" sem pé nem cabeça, opiniões sem embasamento e por aí afora...

Qual a melhor maneira de ficar bom em alguma coisa? Fazendo aulas, workshops ou cursos de 2.000 reais com professores internacionais? Não... isso é complemento, isso tudo ajuda... pra ficar bom em alguma coisa você tem que QUERER fazer bem aquela coisa. E querer não significa "ah eu quero" e pronto. 
Querer significa que você quer o PROCESSO, você quer aquilo todos os dias, você quer ler, estudar e praticar todos os aspectos envolvidos naquilo que você quer fazer bem. No caso da dança, mais especificamente, do estilo tribal, a nível profissional, significa ainda mais: significa conceitualizar e executar figurinos de alto padrão (o que não é sinônimo de caro, apenas bem feito e bem pensado), aprender a fazer uma maquiagem eficaz, garimpar e editar boas músicas, fora todos os outros aspectos físicos envolvidos na prática de qualquer dança.

A dança se aprende na frente do espelho, dançando e treinando, repetindo, malhando, até ficar bom. É assim com QUALQUER dança que tenha pretensão profissional ou artística. Não, dança não é arte. É uma das muitas ferramentas para a arte. Toda dança tem potencial artístico, o que não quer dizer que toda dança será artística. E essa é uma diferença importante. 

Tenho a sensação de que na intenção de "fazer arte" pula-se muitas etapas no âmbito da nossa dança, e isso interfere na elevação do nível técnico e artístico de nossas produções. A questão não é, nem nunca foi, no tribal onde cada um preza por ter ou "criar" seu estilo próprio, a discussão de "técnica X arte", pois elas não são coisas separadas. Um é ferramenta para o outro. E técnica é sempre proveniente de treinamento e repetição, organização física e mental e quiçá, espiritual. Como construir a técnica experimentando de tudo um pouco, e muito de nada? Corpo é matéria orgânica, e memória muscular é um fato e não uma opinião. Finalizando, deixo com quem diz melhor do que eu seria capaz, um pensamento com o qual concordo absolutamente, e que busco atingir (porque se é pra olhar, olho pro alto!):

"Para dominar uma técnica é preciso incorporá-la inteiramente: só assim o movimento flui com naturalidade e o bailarino dança como respira. Então, já não há mais preocupação em seguir uma técnica. Por isso, costumo dizer a meus alunos: eu não danço, eu sou a dança. É o que eu gostaria que todo bailarino sentisse." - Klauss Vianna