quarta-feira, 30 de março de 2022

Dança, yoga e presença

Continuando (como quase sempre hehehe) o assunto da semana anterior, hoje venho com mais uma das percepções que o tempo, e esse marco dos 18 anos de dança, me trouxe.

Quando comecei a estudar o tribal fusion, não tinha muitos vídeos em que nos basearmos e nem material abundante. Eu tinha um dvd de aula da Rachel, que fazia religiosamente, mais uma meia dúzia de vídeos de performance pra estudar. Eu sabia que a yoga era aliada do estilo, então a primeira coisa que fiz, claro, foi ir correndo procurar aulas. Dei muita sorte na época de cair numa aula boa, com minha primeira professora, a Yolanda, que depois descobri ter se formado com o mesmo professor que escolhi pra minha formação, o Gerson D’Addio. A princípio, eu não entendia como aquelas coisas se relacionavam. Achava que tinha uma questão física, óbvio, que facilitaria a dança, mas fui descobrindo com o tempo e com a prática, que era muito mais do que isso. 


Sempre fui muito atraída pela subjetividade, pelo não dito, pelo que está por trás, o que não podemos ver mas podemos sentir. Acho até que por isso o tribal me atraiu tanto. Tinha tanto ali que estava implícito! E principalmente, uma presença. Uma presença forte, que quase que como um fenômeno da natureza, apenas existia, não estava ali para “dar show”. Era aquela sensação que o ATS trazia, ao dançar em grupo. É obvio que uma performance é sempre direcionada para um terceiro, para o público, mas a verdade é que pra dançar ATS precisamos praticar tanto antes (por ser uma improvisação coordenada em grupo) que o que vai para o palco é apenas uma extensão do que rolava na rotina de cada uma. E era essa sensação que chegava para o público. Ele estava ali vendo um produto final de algo que seria do mesmo jeito se ele não estivesse ali. Faz sentido? rs 


Voltando ao estado de presença, é aí que está o pulo do gato pra mim. Assim como na prática de yoga, precisamos estar presentes de corpo e mente naquela ação de dançar. Yoga sem atenção plena é ginástica. Tribal Fusion, na minha concepção do estilo e de tudo que me atraiu a respeito dele, também! 

E foi aí que entendi que a yoga é o que somos, não o que fazemos. A atitude mental da prática se transfere para o dia a dia, e aquilo se torna sua maneira de viver. Da mesma forma, a prática pessoal na dança se torna quem você é, e o que o público vê é apenas um recorte do que você é e faz no seu dia a dia. Por isso a prática constante, por isso do improviso ser uma idéia tão interessante (que conversa tanto com o ATS quanto com a nossa raiz primária, a dança do ventre). Quando vemos Fifi Abdo dançar é como vê-la respirar. A dança não é forçada, pensada, feita pra impressionar. 

A dança É. Sejamos! 

quarta-feira, 23 de março de 2022

18 Anos!

 Esse mês completo 18 anos desde que entrei pela primeira vez numa aula de dança do ventre. 

São 18 anos estudando e vivendo o (ex) Tribal Fusion, tentando entender porque ele é como é, porque reverberou tanto em mim... E chego nesse momento mais uma vez cheia de percepções novas a respeito de coisas antigas, que é basicamente o resumo desses meus 18 anos vivendo essa dança todos os dias. 

Tenho muitas coisas pra compartilhar, mas vou deixando mais espalhadinho pelos tópicos semanais aqui... Muita coisa está fervilhando aqui dentro, quem faz aula semanal já sabe um pouquinho do que tá rolando! rs Sempre muitas coisas rolando, mas dessa vez me parece diferente. 

O post de hoje é um pouco mais íntimo e também mais conceitual... Espero que chegue até aí 💜

"Como já fui e voltei tantas vezes,  já sei melhor os caminhos. 

Por ter me perdido tantas vezes, já conheço os caminhos de volta. 

Como já fui e voltei tantas vezes, muitas portas já estão destrancadas...

Às vezes elas batem com o vento e fecham novamente, mas eu consigo abrir de volta só de virar a maçaneta.

Como já fui e voltei tantas vezes, agora já sei o caminho. 

Não perdi tempo. Fui e voltei pela mesma estrada, tantas e tantas vezes, como a caminho da escola. 

As trilhas tornam-se velhas amigas, às vezes tem uma surpresa, às vezes algo esquecido. 

Mas nunca perda de tempo. 

Como já fui e voltei tantas vezes, agora já sei o caminho."

Março/2022

quarta-feira, 16 de março de 2022

Auto sabotagem, percepções sobre o próprio corpo e a prática (cont.)

 Pensando em como reverberou o último post, sobre nossa auto imagem e como ela interfere na nossa prática saudável e bem sucedida da dança, pensei em me prolongar um pouquinho mais nesse assunto, o que me levou imediatamente para o seguinte: auto sabotagem. No fundo, deixar que o assunto do post anterior nos impeça de realizar coisas, não deixa de ser mais uma forma da nossa velha amiga! De quantas formas nós conseguimos nos auto sabotar? Infinitas!

Nos meus anos de prática, sendo aluna e professora, eu já vi ela se manifestar, em mim mesma e em outras pessoas, de tantas e tão criativas formas! Achar que nosso corpo não é "adequado" e por isso nunca será capaz de realizar os movimentos X, Y e Z é uma delas. Também já vi coreografias prontíssimas "quererem ir" para o fundo da gaveta porque "não estão boas o suficiente". Mudar de idéia toda hora, evitando ter consistência em algo, e consequentemente não realizando nada, é outra! Achar que antes de treinar, ou fazer o que você precisa, tem que acender incenso, por uma roupa boa, lavar o rosto, fazer um lanchinho, esperar vir a vontade, é outra! Focar em práticas que não são exatamente as que vão levar você aonde você quer chegar, e fingir que você não alcança determinado objetivo porque não é boa o suficiente, é outra! Também, querer dominar alguma técnica abdominal mas achar que para isso você primeiro tem que ter uma barriga "sequinha"(o que nos leva diretamente ao post anterior!). Gente, são muitas mesmo as formas da gente se auto sabotar. Não sou isenta, muito longe disso, e eu mesma pratico há anos! 😅

Pra mim, mesmo que difícil manter o foco, o jeito menos difícil (nem vou dizer mais fácil porque mais fácil acho que não tem!) de driblar essa danada é ter focos bem específicos, e um de cada vez. Se você quer melhorar em giros, pratique-os todo dia um pouquinho. Sem precisar do alinhamento planetário certo. Se você quer finalmente resolver a sua relação com os bellyrolls ou flutters, pratique um pouquinho todo dia. Busque outras práticas que vão te ajudar com aquele objetivo em específico. Basicamente, você vai continuar sabendo que precisa ou querendo melhorar seus braços, mas por hora, deixa eles pra depois... focar em uma coisa de cada vez faz com que você consiga ter objetivos mais concretos e resultados mais palpáveis. Seja honesta com você mesma. O que é mais urgente pra você trabalhar agora? Foque nisso, depois, mude de foco. 

Lembre-se que seu objetivo é dançar bem! E de um jeito que é só seu, melhor ainda!

Tem um livro muito bom que eu indico super em relação a trabalho e disciplina chamado "A guerra da arte" do Steven Pressfield. Lá ele dá muitas dicas pra gente conseguir realizar trabalhos criativos, mas a tecla que ele sempre sempre bate é essa: desmistifique o processo. Vá lá e faça o que tem que ser feito, um dia de cada vez, cada dia um pouquinho. Não é em um dia que seu shimmie vai sair perfeito. Mas é um pouquinho todo dia que vai fazer com que ele de fato melhore. E é assim com tudo. Quando a gente é muito imediatista, isso causa um ansiedade de que não estamos vendo progresso e assim nos desanimamos de continuar na prática. Mas é devagar e sempre que a mágica acontece. Não existe passe de mágica, mas sim consistência e consciência de onde queremos chegar. E é isso que faz toda a diferença!

quinta-feira, 10 de março de 2022

Percepções do próprio corpo e a Dança

Passada aí a semana do dia da mulher e nem tenho muito  o que comentar sobre isso tamanho o abismo que ainda temos que subir pra ter algo similar a igualdade de direitos em relação aos homens... Uma das coisas importantes nesse assunto é a forma como somos induzidas a perceber nossos corpos. Sempre com algum "defeito", alguma "falha", algo a ser corrigido, uma barriga que sobra, um cabelo que falta, uma pele que tem poros, uma sobrancelha que tem um fio fora do "lugar"... Aparentemente a liberdade de corpos serem apenas corpos, funcionais e saudáveis, é exclusivamente masculina. Mas isso é assunto pra outro post. 

O que eu gostaria de trazer hoje aqui como assunto, que venho pensando e discutindo nas minhas turmas desde o ano passado, é o quanto essa ditadura de padronização de beleza não nos atrapalha no objetivo de melhorar a nossa dança. Quantas vezes nos censuramos, seja em vídeo ou no espelho, não porque o movimento não está bom ou não sai, mas sim porque o nosso corpo tem algo que acreditamos ser inadequado e isso polui toda nossa visão a respeito de técnica e qualidade de movimento. 

Não vejo uma grande variedade de tipos físicos em evidência dentro do nicho do Fusion Bellydance, muito pelo contrário. Os padrões são sempre, e ao que me parece cada vez mais, eurocêntricos e "magrocêntricos". Será que não tá na hora da gente reeducar nosso olhar para ver beleza em outros tipos físicos na dança, em outros tons de pele, em outras construções de estética? 

Com a proliferação da dança restrita quase que exclusivamente às mídias sociais nos últimos dois anos, os algoritmos como sempre favorecem o capital. Favorecem a insegurança que é o que vende, e é o que mantêm em complexo de inferioridade. Imagina se todo mundo começa a deixar de ver problema estético em si mesmo? Como ficam as indústrias de cirurgia plástica, de cosméticos?

O que eu realmente me pergunto é o quanto de tempo e energia não gastamos em tentar mudar, ou nos sentirmos mal com o nosso próprio corpo em vez de apenas "usá-lo"para o que realmente queremos: dançar bem. Quanto a dança poderia ter evoluído tecnicamente se não fosse tão impregnada por esses padrões que nos escravizam, que escravizam nossos olhares, que influenciam o que assistimos, que tendenciosamente nos "educa" para o que é "bom. 

Desafio da próxima vez que assistirem suas bailarinas favoritas, que se questionem se ela representa um padrão de "capa da revista" e, se sim, buscar reeducar seu olhar para acomodar outras belezas, outros padrões, e com um pouco de sorte até, o seu próprio. A gente quer uma barriga negativa ou uma barriga que tem força e potência pra realizar seus movimentos de quadril e torso?


quinta-feira, 3 de março de 2022

Flow

 Passei um bom tempo pensando sobre o que escrever essa semana nesse cérebro pós-carnaval apocalíptico, e passaram várias idéias pela minha cabeça, algumas antigas, outras novas...

Aí me ocorreu uma coisa durante um flow de fusion que estava dando durante a aula... Justamente o quanto a gente se sai melhor em algumas coisas quando não pensamos demais! Pensar é fundamental, sem dúvida quanto a isso! rs 

Mas o overthinking pode realmente nos atrapalhar em vários momentos da nossa vida que exigem ação em vez de pensamento. O flow é uma dessas ocasiões. Não seria o flow a síntese do "deixar rolar", vir o que tiver de vir? Às vezes quando estamos tentando dançar uma música pra treinar uma (ou várias) técnicas, se ficamos muito fixadas no que a música faz, em quando vai mudar, não conseguimos deixar fluir o treino, não entramos no nosso corpo e não deixamos o movimento fluir... 

É claro que num cenário ideal, numa preparação para performance, a música vai guiar cada um dos nossos movimentos. Mas tem que ter essa hora de errar. Tem que ter o deixar o corpo fluir. Tem que ter o aprender a consertar um erro com o próximo movimento, sem deixar a bola cair. Essa é um habilidade fundamental de qualquer um que precisa subir num palco pra fazer qualquer coisa. E tantas vezes, não treinamos essa habilidade justamente por medo de cometer erros. Acontece que pra improvisar temos que nos abrir pra possibilidade de errar! Se for pra fazer apenas o previsto, melhor ir de coreografia né? Tem uma frase do Miles Davis sobre o improviso que eu gosto muito, que diz algo mais ou menos como "você acerta uma nota errada com a próxima que você faz", ou algo assim. É exatamente como me sinto ao abrir essa possibilidade para o erro no improviso livre: sim, tem coisas que saem erradas. Mas como você lida com o erro é mais importante do que o erro em si, é aí que a gente cresce.